Nome: Alexandra Ramires & Laura Gonçalves

Idade: 37 & 36

Profissão: Realizadoras

As duas obras mais significativas da vossa carreira profissional, como co-criadoras ou como criadoras em nome individual.

Todos os filmes que temos vindo a fazer em nome individual e em co-realização são especiais para nós. Os filmes demoram muito tempo a fazer, são parte de nós e tornam-se parte da nossa existência. Elo, da Alexandra e Homem do Lixo, da Laura são filmes muito importantes na nossa carreira, porque nos ajudaram a perceber e fortalecer a nossa linguagem individual, o que ajudou também a valorizar o processo de co-autoria, cujos efeitos vemos em Água Mole e Percebes.

Como é trabalhar em cooperativa, e quais os aspectos mais positivos do vosso trabalho com o BAP? 

Trata-se de passar as horas de trabalho com pessoas de quem gostamos. Os aspectos mais positivos passam pela partilha de valores, e dos momentos maus e bons, num grupo de pessoas que tem como objetivo dedicar o seu tempo a contribuir para um cinema em que acreditamos, e onde nos revemos enquanto autoras.

Qual a razão que vos levou a co-realizar o vosso primeiro filme, e a fazê-lo novamente? Na vossa perspectiva, o que pode uma co-realização dar a um projecto que um trabalho de criação individual não consegue?

Na verdade partilhamos um caminho que nos junta há bastantes anos, mesmo antes da realização de Água Mole. O nosso percurso pelo mundo das artes vai desaguar no mundo da animação, onde nos conhecemos (2009) assim como ao Vasco Sá e ao David Doutel. Depois de trabalharmos juntas em diversos filmes de outras pessoas, é já no Porto que, depois de uma série de viagens que fizemos ambas ao interior de Portugal, decidimos co-realizar o filme Água Mole. Este é um filme que parte de entrevistas com pessoas que fomos encontrando nestes lugares desertos, e dos seus testemunhos em relação àquela realidade.

Nesta simbiose de visões de quem vive a mesma experiência, tentamos trabalhar muito a comunicação e chegar a uma forma de contar o que vimos, ouvimos e sentimos, da forma mais pessoal possível para que ambas víssemos representada no ecrã a nossa perspectiva enquanto autoras. No entanto, encontrámos algo muito mais forte e bonito, como resultado final, e que é a simbiose das nossas duas visões, um retrato feito a dois.

Na tempestade de se fazer um filme, é uma bóia de salvação termo-nos uma à outra em momentos de menos confiança. E também é muito mais intensa a celebração dos bons momentos.

A razão de termos co-realizado Percebes prende-se com o tema em si, sobre o qual partilhámos conversas, assim como com a vontade de ambas de dar continuidade a explorar a bonita relação das pessoas com os seus lugares, a que sentimos que a nossa animação pode dar voz.

Como surgiu a ideia que levou ao desenvolvimento do filme Percebes?

O filme não surge propriamente de uma ideia, mas sim de diversas circunstâncias ao longo do tempo. Tínhamos já partilhado muitas conversas sobre o nosso sentimento de impotência em relação ao que se passa nas cidades em que vivemos, e que estão em constante mudança, sempre com o intuito de agradar a quem está de passagem e não a quem aí vive. Estas conversas tornaram-se internacionais, e o Algarve surge naturalmente como uma região muito afectada por esta política de turismo desenfreado. Sendo a Alexandra do Algarve, conhecíamos já algumas opiniões de pessoas de lá em relação ao tema. O facto de comentarmos as nossas diferentes perspectivas (de quem vive lá e de quem o visita) uma com a outra foi um factor bastante importante para percebermos que queríamos fazer este filme e a começar a desenvolvê-lo.

Percebes é um filme que, de forma muito inteligente, negoceia uma identidade local (a começar pelo título do filme, e o seu duplo sentido em português, mas sem tradução noutras línguas, e que o associa à região do Algarve) e que, ao mesmo tempo, sublinha a importância de um contexto global para compreender o turismo de massas, a gentrificação e desigualdade. Até que ponto uma qualquer identidade portuguesa figura ou se infiltra no vosso trabalho?

Enquanto realizadoras, algo que nos move é o poder de retratar o contexto em que estamos inseridas, e projetá-lo a nível internacional. O nosso trabalho tenta sempre reflectir vivências humanas que são características de um local. É, sem dúvida, importante para nós o uso destes elementos, mas estas vozes são representativas também de muitas outras que vivem em contextos parecidos, apesar de estarem do outro lado do mundo. Esta mistura entre documentário através das vozes reais e a potencialidade da animação ajuda-nos a conseguir jogar este jogo que potencia a universalidade da linguagem do cinema que fazemos.

Como foi feito o trabalho de som, e que importância lhe atribuem no filme? 

O som do filme começa com as gravações das entrevistas, e é a base de todo o trabalho que vem depois, por isso o som do nosso filme é muito importante. Sem as vozes não haveria este filme. O mesmo acontece com o som ambiente que ouvimos durante o filme. Inclui muitas gravações originais que fizemos em diferentes locais. 

O que pensam sobre o facto do cinema de animação continuar a ter menos projecção e valorização, por parte dos colegas da indústria e da generalidade dos espectadores, do que o cinema de imagem real, em Portugal? E isto apesar da constante inovação técnica, e dos importantíssimos prémios nacionais e internacionais, em festivais de peso, que realizadoras como vocês têm recebido?

Muitas pessoas associam a animação a um público infantil e a um entretenimento fácil. E realmente a animação que tem uma distribuição mais forte e que chega a mais pessoas é efectivamente entretenimento infantil. Logo quando dizemos que fazemos animação esse rótulo é quase imediato. No que toca à desvalorização dos colegas da indústria, no início do nosso percurso essa falta de valorização era mais óbvia, mas a partir do momento que as pessoas começam a ver filmes que exploram as outras potencialidades da animação creio que já se vão tornando mais receptivas. Diria que parte desse preconceito vem de quem tem pouco acesso a “outros filmes de animação”.

Há um fosso significativo entre o trabalho que fazemos e o grande público, a nosso ver injustificado. Sempre que conseguimos mostrar os nossos filmes a um público menos vinculado aos festivais, as pessoas reagem bem, com surpresa e admiração, e isso é um sentimento bonito. É muito importante que as entidades que têm o poder de levar os nossos filmes a um público mais alargado o façam: televisões, plataformas, salas de cinema. Todos podiam ter um papel bem mais activo na distribuição de cinema de animação, de autor e não só. Se houver um espaço de maior divulgação de outros tipos de animação, além da animação mainstream, acreditamos que irá haver mais reconhecimento. Existe e existirá esta discriminação em relação ao cinema de animação enquanto não houver uma educação de públicos, em que se perceba que a animação é um formato com valor próprio, e não apenas um dispositivo para entreter os mais pequenos.

Sentem que tem havido mudanças positivas quanto à igualdade de género, diversidade e equidade no cinema e audiovisual?

Cremos que o cinema de animação tem características próprias que tornam difícil pormos no mesmo saco cinema de animação e todas as outras formas de fazer filmes que o cinema e audiovisual comportam. As nossas produções são mais continuadas e estendidas no tempo, chegam a durar anos, permitindo criar um tipo de relação com a equipa bem diferente do que 2 ou 3 semanas de rodagem intensa, onde é quase inevitável existir uma hierarquia vincada.

Apesar disto, é difícil ter estabilidade, já que não há propriamente uma continuidade de trabalho na área (tal como em imagem real) que permita aos trabalhadores constituir família. O mundo da animação está muito mais relacionado com o “detrás da câmara” sem o holofote que normalmente é associado ao mundo da imagem real, que se traduz num ambiente mais competitivo.

Acreditamos que estes dois fatores acabam por criar um ambiente menos agressivo para mulheres realizadoras. Estas desigualdades são menos gritantes na animação e é importante perceber porquê. Mas é muito injusto dizer que não há desigualdades. Nos concursos do ICA o comum é haver mais obras apoiadas de homens do que de mulheres. Embora este ano o concurso de curtas metragens tenha sido uma excepção (houve o mesmo número de obras apoiadas tanto para mulheres como para homens).

É de sublinhar que o financiamento para longas-metragens de animação nunca foi atribuído a nenhuma mulher, e é importante perceber-se porquê.

Esta é uma investigação que tem que ser feita de forma cuidada.

Que mulheres do cinema vos inspiraram ou inspiram? 

Na verdade as referências do cinema de animação que temos são maioritariamente mulheres, enquanto no cinema de imagem real, são homens. E isto acaba por acrescentar algo à resposta anterior. De qualquer forma, podemos citar: Michaela Pavlatova, Regina Pessoa, Carolina Leaf, Torill Kove, Marjane Satrapi, Cláudia Varejão, Sofia Coppola, Tânia Dinis, Regina Guimarães, Heddy Honigmann.

Acham possível a maternidade co-existir com uma carreira, no cinema, em Portugal? 

É muito difícil para nós dizer onde começa e onde acaba o nosso trabalho e a nossa vida pessoal. Passamos muito tempo a pensar nos nossos filmes e a ajudar outras pessoas a fazer os seus, é difícil não trazer trabalho para casa. Sendo assim, é muito importante ter uma rede de amigos e braços experientes que permitam que tudo continue a funcionar quando temos que dedicar tempo à família. A compreensão e responsabilidade são termos importantes para que seja possível ter este balanço (que é complicado de se fazer) quando se trabalha em cinema.

Que conselhos dariam às mulheres trabalhadoras do cinema e audiovisual que estejam a começar?

Aproveitem para viajar, conhecer e falar com o máximo de pessoas possíveis sobre a vida. Explorem os temas da vossa geração, o que acham importante representar e de deixar ao público para reflectir. Sobretudo, sejam fiéis aos vossos instintos.

Entrevista das nossas associadas Marta Sousa Ribeiro e Mariana Liz.

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