Nome: Rita Nunes

Idade: 50 anos

Profissão: Realizadora

Duas obras que gostarias de destacar do teu trabalho até agora.

Destaco o “Linhas Tortas” e agora “O Melhor dos Mundos”, os meus filmes com estreia comercial.

Qual é a origem deste projecto e como foi o processo de escrita com o João Cândido Zacharias? E como foi o processo de pesquisa com a comunidade científica na escrita do argumento? 

Já há muitos anos que queria fazer um filme com esta premissa: a da possibilidade de acontecer novamente um grande terramoto em Lisboa. Cheguei a ter um projecto escrito e reescrito várias vezes. Em 2020 voltei a pegar no tema e convidei o João para escrever comigo. Fizemos uma primeira versão e passado uns meses li uma notícia que falava de um grupo de cientistas que estava a trabalhar com a ANACOM e o governo português na substituição de cabos submarinos entre Portugal, Açores e Madeira (vai acontecer em 2026). Estes novos cabos iriam ter instalados sensores que estudariam várias áreas científicas, nomeadamente a sismologia. Imediatamente pensei - e se falasse com estes cientistas para perceber melhor o que é isto? A partir daí tive inúmeras conversas e entrevistas com os cientistas ligados a este projecto e acabámos por trabalhar em conjunto com eles para podermos ancorar toda a parte ficcional sobre a ciência. 

Até onde vai a realidade e onde começa a ficção no filme? Sendo que entre a antestreia do filme no IndieLisboa e a estreia nos cinemas em todo o país, a realidade te deu um acontecimento para comunicares o filme? 

Na verdade tudo o que está no filme pode realmente acontecer. A partir do momento que comecei a trabalhar com base em factos científicos interessou-me o rigor que isso implicava. Segui esse caminho porque não valia a pena estar a inventar coisas aleatórias quando a realidade já era tão interessante. Nunca tive interesse em explorar o lado sensacionalista desta questão e não quis fazer um filme-catástrofe. O sismo que aconteceu no final de agosto foi só um teaser… nada de grave comparando com o que de facto pode vir a acontecer.

É consensual entre a comunidade científica que um grande terramoto vai voltar a acontecer, mas no filme esse tema acaba por ser também um pretexto para explorar um tema mais vasto que é o da humanidade à beira da catástrofe - os tempos em que vivemos.

Há uma presença muito marcante da contemporaneidade nos teus filmes e que não é assim tão frequente no cinema português. No “Linhas Tortas”, as redes sociais eram pedra basilar do desenrolar do argumento, n’ “O Melhor dos Mundos” o tema das alterações climáticas e da possibilidade iminente de um novo sismo em Portugal. É algo que procuras na escrita do argumento ou da escolha de projectos, essa ligação à contemporaneidade? 

Tendo já experimentado fazer “época” noutros projectos, percebo que a realidade do presente é a que mais me interessa explorar. Daqui a uns anos, décadas, séculos, este presente vai ser passado e não há que ter medo de inserir essa contemporaneidade na ficção.


No “Linhas Tortas” escolheste como protagonista o Américo Silva, que é bastante conhecido no meio teatral mas não tanto no cinema e n’ “O Melhor dos Mundos” escolhes a Sara Barros Leitão, já muito premiada no teatro mas também menos presente em projectos cinematográficos. E ambos justíssimos e excelentes nas personagens que interpretam. Como é que escolhes os actores para os teus filmes e como é que trabalhas a direcção de actores? 

Na escolha de actores não existe propriamente um método, chamo-lhe mais intuição - conhecendo razoavelmente bem o meio dos actores que trabalham em teatro e também em cinema/televisão, muitas vezes, sobretudo para os protagonistas, começo a encaixar a cara do actor na personagem ainda na fase de escrita. Depois seguem-se os convites e perceber se os actores estão disponíveis e interessados. Para alguns papéis secundários gosto de fazer casting até porque aparecem actores que não conhecia e que dessa forma passo a conhecer.


Na estreia do filme, vão fazer campanha das escolas, aproveitando a componente pedagógica a partir da qual também podemos ver o filme? 

Sim, a intenção será integrar o filme no Plano Nacional de Cinema e chegar às escolas. Independentemente do tema deste filme, é bom que os miúdos possam ver cinema português porque não me parece que possam ter esse interesse espontâneo se não for através da escola.


A curta Menos Nove (1997) foi premiada em vários festivais e teve uma óptima recepção. No entanto, o teu percurso não teve a regularidade de outros realizadores da tua geração. Que dificuldades enfrentaste no teu percurso até aqui em termos de financiamento, produção e distribuição?

Quantas páginas tenho para responder a esta pergunta?

Vou resumir: passados todos estes anos resolvi ser eu a produzir o meu filme.

Para além de realizadora também és a produtora de “O Melhor dos Mundos”. O que te fez sentir esta necessidade de assumir também a produção do filme? 

Foram muitos anos a trabalhar em diferentes formatos com várias produtoras e cheguei à conclusão de que precisava de ter um maior controlo sobre o meu trabalho. Não sou a única realizadora a fazer isso, cada vez há mais realizadores a auto-produzirem-se. 

Trabalhaste em vários meios: no cinema, na televisão, na publicidade. Sentes que os problemas são transversais às várias áreas, ou estão mais presentes em algumas delas?

Já não posso dizer que trabalhe em publicidade, deixei há alguns anos. Em televisão também nunca trabalhei propriamente - fazer telefilmes (fiz três) e séries para televisão (fiz uma de ficção e outra documental) é diferente de trabalhar em “televisão”.

Respondendo à tua questão: só posso falar da minha experiência - de facto tive a sorte de começar bem e a realizar publicidade com 22 anos. Nessa altura (em 1997) isso era completamente inédito e durante muitos anos fui a única realizadora no mercado publicitário. No entanto, apercebi-me rapidamente que realizadores homens, mais ou menos da minha idade, tinham outras oportunidades. Na área do cinema também sinto que sistematicamente, os realizadores são preferencialmente escolhidos para projectos maiores em detrimento das mulheres.

Durante algum tempo andei em negação sobre esta realidade, mas factos são factos e basta ver o estudo que a Mutim encomendou há dois anos e que revela os números de uma forma muito clara.

Que mulheres no cinema te inspiraram ou continuam a inspirar? 

Há todo um passado das mulheres na história do cinema, português e internacional, mas para isso também eram precisas várias páginas.

Pensando só na actualidade e em realizadoras vivas, gosto bastante do cinema da Kelly Reichardt e da Alice Rohrwacher. Também acho a Sofia Coppola muito interessante, mas não tanto nos últimos filmes.

O que achas que é necessário fazer para caminharmos para a paridade em Portugal no meio do cinema? 

Penso que começa agora a haver mais paridade do que alguma vez houve.

É preciso criar equipas que sejam realmente paritárias, na distribuição da relevância das funções que são desempenhadas e não apenas no número de mulheres e homens que compõem uma equipa.

Queres deixar alguma mensagem às profissionais que estão agora a dar os primeiros passos nesta área? 

Posso dizer as banalidades do costume mas que são as que realmente contam: serem persistentes, trabalharem muito… e não terem medo de pedir ajuda quando precisam.


A entrevista foi feita pela nossa associada: Marta Fernandes

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