A Condição da Mulher nos Sectores
do Cinema e Audiovisual em Portugal
Promovido pela associação MUTIM - Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, fundada em 2022 por profissionais do cinema e audiovisual em Portugal, em parceria com a XX Element Project - Associação Cultural, este é o primeiro e único estudo de fundo sobre a realidade nacional das profissionais da área e das narrativas de representação da mulher nos media dominantes.
Um estudo realizado pelo Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da Universidade Católica Portuguesa, coordenado por Catarina Duff Burnay e financiado pelo Instituto do Cinema e Audiovisual, Netflix e pela Associação de Produtores Independentes de Televisão.
KEY TAKE AWAYS
1) A condição de precariedade dos profissionais dos sectores do cinema e do audiovisual, independentemente do género, é uma realidade. Este facto é apontado como um dos principais factores de stresse, também nas entrevistas, cujos teste- munhos relatam uma prática generalizada do recurso a “recibos verdes” e trabalho esporádico “ao projeto”. As Mulheres são especialmente vulne- ráveis a este indicador quando são confrontadas com a necessidade de escolher entre uma carrei- ra precária e a vida familiar, visto que cerca de 60% afirma ter desistido da carreira com a chegada da maternidade. Nos casos em que os dois membros do casal trabalham no mesmo sector de ativida- de e sentiram necessidade de reduzir, desistir ou mudar de atividade por motivos de parentalidade, são as Mulheres (76,7%) que mais frequentemente o fazem;
2) Os dados apurados, quer através do inquérito por questionário, quer através das entrevistas, mostram, claramente, que há Homens a auferirem salários mais elevados quando comparados com as Mulheres: há uma muito maior proporção de Homens face a Mulheres a beneficiar de salários mais elevados no sector e muito mais Mulheres do que Homens nos escalões remuneratórios mais baixos;
3) A infantilização da Mulher pelo Homem e a solidariedade/“clubismo” dos Homens, em particular por parte daqueles que ocupam posições de decisão, são dois indicadores que emergem do estudo. Tal não é visto como uma forma de discriminação “aberta”, mas como um facilitismo, um coloquialismo nas relações entre Homens que resulta numa perceção por parte das Mulheres de estarem frequentemente do “lado de fora” e de sentirem a necessidade de provar ou justificar o seu mérito;
4) Os Homens parecem entrar na área mais cedo do que as Mulheres, havendo uma percentagem maior de Homens (54,2%) do que Mulheres (41,9%) a iniciar carreira antes da conclusão do curso. Ao cruzarmos este dado com a percepção por parte das Mulheres da existência de uma maior informalidade e aceitação do erro nas relações entre os Homens, supõe-se que a obtenção de qualificações académicas se afigura como uma importante comprovação de mérito nas Mulheres face a um status-quo em que, por defeito, são desconsideradas;
5) 41,6% das mulheres afirmam ter sido vítimas de discriminação de género e 37,6% de assédio no local de trabalho e/ou no desempenho de funções. Estas situações foram corroboradas nas entrevistas, tendo havido menções explícitas a assédio moral ou físico e/ou de conhecerem/presenciarem casos concretos;
6) Determinadas funções dentro dos sectores do cinema e do audiovisual, em especial as mais artísticas e as técnicas, continuam a ser desempenhadas, maioritariamente, por Homens. Quando as Mulheres ocupam estes cargos mostra-se como uma conquista e não como uma normalização de oportunidades pelo mérito, independentemente da identidade de género ou outra;
7) O equilíbrio entre a vida familiar e o desempenho da profissão é apontado como um objetivo muito difícil de alcançar. As entrevistadas enfatizaram a sobrecarga que o papel de mães acarreta e a consequente dificuldade de conciliação com horários por turnos ou de exigência acrescida;
8) Os/As profissionais dos sectores, em especial as Mulheres, reconhecem que as narrativas produzidas e realizadas na atualidade não são plurais em termos de representações de género e étnico/ raciais e, quando abordam personagens e histó- rias que incluem tais representações, recorrem à estereotipação. Para além disso, há um consenso em relação ao papel subalternizado da Mulher no ecrã em relação ao Homens nas produções nacionais, em especial nas produzidas para televisão e nos formatos de longa serialização, como a telenovela;
9) A análise dos 16 concursos promovidos pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual em 2022 revela que o volume de candidaturas de proponentes masculinos é substancialmente superior e existem concursos em que nenhum projeto liderado por uma Mulher é financiado. Embora os dados pareçam também indicar a não discriminação das Mulheres e dos seus projetos candidatos, uma vez que se observa uma proporcionalidade de género entre os projetos a concurso e os apoiados, tal decorre da observação de um ano em concreto, não podendo ser assumido como um traço característico preponderante;
10) Os júris dos concursos de 2022 analisados mostram que 56,25% são constituídos maioritariamente por Homens e que 43,75% são constituídos maioritariamente por Mulheres. O exercício comparativo numa janela de cinco anos, mostra que, em 2018, os mesmos concursos apresentaram 50% dos júris constituídos maioritariamente por Homens e em apenas 6,25% (um concurso) é que se encontrou uma composição onde as Mulheres estavam em maioria. Em 18,75% dos concursos houve paridade de género e em 25% dos concursos os painéis de avaliação não incluíram uma única Mulher. O que parece ser uma evolução positiva mostra-se com pouca expressividade, para lá do facto de os dados do inquérito por questionário mostrarem que, em média, os Homens integram mais vezes estes painéis de avaliação, tendo, assim, mais oportunidades do que as Mulheres;
11) Os cargos dirigentes dos organismos públicos de apoio aos sectores do cinema e do audiovisual (ICA e Cinemateca Portuguesa) apresentam uma quase totalidade de elementos do género masculino (três para quatro no total);
12) Os grupos de media audiovisuais portugueses com canais em sinal aberto apresentam uma estrutura orgânica não equilibrada no que respeita ao género. Os conselhos de administração, assim como outros órgãos de gestão próprios de cada grupo, são integrados, maioritariamente, por Homens. Isto também se verifica, e até de uma forma mais acentuada, nas direções de produção e programação.