Nome: Joana Niza Braga

Idade: 30

Profissão: Editora e Misturadora de Som para Cinema e TV

As duas obras mais significativas da carreira profissional: Balada de um Batráquio e Free Solo

Onde e em que função trabalhas e qual é a tua situação profissional actual? 

Desde 2016 que faço parte do departamento de Som do centro de pós-produção Loudness Films em Lisboa. Durante estes anos tenho tido a oportunidade de trabalhar em inúmeros projectos nacionais e internacionais nas mais variadas funções que vão desde a edição de diálogos e/ou ambientes e efeitos para cinema e TV; à gravação, edição e mistura de foleys e ADR; ou até mistura de som. Basicamente a minha função no estúdio está sempre a alterar-se, mas acho que no fim, gosto de me identificar como editora ou designer de som.

Como definirias o teu trabalho e estilo como desenhadora de som?

Bom, para mim o Som é um dos elementos fundamentais a ter em conta quando queremos atingir o espectador a um nível emocional, psicológico e até físico (por vibrações). Por vezes, é bastante negligenciado, em parte por ignorância e acho que é nosso dever tentar transmitir o potencial que existe neste mundo do Som.

Ao adicionar layers compostas por música, diálogos, efeitos e ambientes, estamos a criar uma experiência mais imersiva e realista. Com o Som conseguimos ajudar o storyteller a conduzir a sua narrativa, a estabelecer o mood de cada cena, e, por sua vez, provocar uma resposta emocional no espectador. Falo duma emoção real ao que assiste. “Hearing is Believing” e o som tem a capacidade de convencer a nossa mente de que, durante alguns momentos, estamos num outro lugar que não corresponde à nossa realidade. 

Quando entro num projecto, passo sempre por uma fase de estudo e adaptação inicial. Gosto de conhecer a obra de cada um e o próprio indivíduo por detrás do projecto; as suas influências e referências a seguir; o modo como trabalha e, acima de tudo, qual a história que quer contar e o motivo que o move. Gosto de conseguir ter uma leitura o mais fidedigna possível sobre o projecto e a pessoa por detrás do mesmo, de modo a conseguir contribuir da maneira mais honesta. O Cinema é uma Mentira, mas é muito fácil cair numa Falsidade. É nosso dever, como colectivo, prevenir isso mesmo.

“Para mim, o mais importante é isso mesmo:  a história, a intenção, a motivação.”

O modo como o sound design é conduzindo difere também de projecto para projecto. Muitas vezes é-nos dito o que fazer, bit by bit, cue by cue, mas muitas são as vezes em recebemos uma espécie de carta-branca dos realizadores. São nestes projectos que encontramos mais espaço para sermos criativos, o que torna o trabalho muito mais divertido, mas também arriscado. Seja qual for a situação em que me encontro, procuro sempre criar um desenho de som que seja dinâmico. Gosto de dar atenção a pequenos detalhes e pormenores; procuro silêncios, mas também momentos que peçam por mais ousadia, ruído, peso, força. É como uma dança entre dois pólos, aparentemente diferentes e distantes, que juntos encontram uma verdadeira harmonia. Simplesmente resultam numa perfeita sinergia. 

Being that said, já recebi reviews de pessoas que dizem que o estilo do meu trabalho é muito agressivo, técnico e arriscado, mais para o hollywoodesco; ora recebi outras que o definiam como sutil, delicado, natural e realista. Na verdade, cada projecto é um projecto e eu tento sempre adaptar-me ao que o projecto pede, de modo a conseguir elevá-lo. Acho que é isso. 

Sentes por vezes que tens de lutar pelo reconhecimento como desenhadora de som?

Sim. Especialmente no início da minha carreira, onde sempre senti que existia uma dificuldade em ser levada a sério, em parte por ser jovem, mas também por ser uma mulher num meio claramente dominado por homens. Muitas foram as vezes em que fui intitulada de “a miúda do Som”. Por vezes, ainda acontece. Isto levou-me a trabalhar dez vezes mais que vários colegas, à procura de alguma credibilidade no meio. Tive também que, como muitas mulheres, fechar os olhos a muitas situações que qualquer uma de nós consideraria serem injustas, desagradáveis e até traumáticas, pois as repercussões que viriam duma retaliação pareciam, na altura e em curto prazo, piores.

Muitas foram as vezes em que dei por mim a ser a única mulher no estúdio a tentar validar a minha voz e receber o reconhecimento, valorização e respeito merecidos pelo meu trabalho e por mim mesma… Muitas vezes sem sucesso. Colocando a minha carreira em perspetiva, denoto o quão rara foi a ascensão rápida que tive. Muito rara mesmo. Hoje encontro-me numa posição um pouco diferente, e tenho visto cada vez mais mulheres a aparecer nesta área, mas infelizmente, o mundo do Som, seja em Portugal ou lá fora, ainda continua a ser um boys club.. um white boys club (como tantos outros).

Estudos recentes mostram que existe uma percentagem preocupantemente baixa de compositoras e desenhadoras de som. Porque pensas que isso acontece?

Acho que o grande problema não é que não haja suficientes mulheres qualificadas na área. O problema é que designers que se identificam como mulheres não recebem tantas oportunidades como deveriam. Imagine-se, olhando para créditos atrás de créditos, denoto que regra geral, se existir uma mulher na equipa de som, esta é a Editora de Diálogos, uma das áreas que infelizmente é considerada mais “técnica” apesar de não o ser. De todo!!! As restantes funções mais “criativas” ou “artísticas”, como edição de efeitos, sound design, música, supervisão e mistura são entregues aos nossos pares masculinos. Falo por mim, que muitas vezes tenho que lutar para conseguir obter esse tipo de funções. Dá que pensar... Em parte, creio que o problema reside no facto de realizadores e produtores procurarem os mesmos editores e designers que sempre procuraram antes, em vez de procurarem novos talentos e dar oportunidades a novas caras, cuja sensibilidade será, certamente, diferente. 

Acho que é importante perceber que a única maneira de uma forma de arte permanecer relevante é quando ela é criada pela próxima geração. Se a forma de arte continuar a ser criada apenas pela geração “mais velha”, simplesmente estagnará. E infelizmente já vejo muitos editores e designers jovens a seguir exatamente os mesmos passos da geração mais velha, o que me entristece um pouco.

Soundwise, cada designer é único, como qualquer artista, qualquer indivíduo. Mas sinto que as mulheres têm sempre uma sensibilidade diferente em relação a algumas cenas apresentadas. Parece-me surgir sempre uma certa sutileza que é mais rara de se encontrar num trabalho feito pelos nossos pares masculinos. É-me difícil explicar, but it’s there! Acho que toda gente sente o mesmo. E isso é uma mais-valia num momento em que vejo uma crescente consciencialização de que as coisas têm que mudar. E estão! Hoje precisamos, mais do que nunca, de contar mais histórias de mulheres, e precisamos que sejam mulheres a fazê-lo. As mulheres têm uma visão diferente do mundo no seu redor e isso irá definitivamente gerar diferentes obras das que estamos já habituados a consumir over and over again.

O que desejarias para o futuro no que diz respeito à igualdade entre homens e mulheres dentro e fora da tua área profissional?

Que sejamos todos reconhecidos pelo nosso trabalho, não pelo nosso género. E que no fim sejamos todos bem-vindos. Seja quem for e onde for. 

Há alguma mulher que te inspiras profissionalmente?

Isto é sempre muito tricky. Existem tantas, dentro e fora deste meio… Mas pensando assim muito rapidamente diria Mary Jo Lang, foley mixer que iniciou a sua carreira nos anos 80, quando era uma autêntica raridade ter uma mulher nesta função. Tive o prazer de a conhecer em LA, mesmo antes de se reformar e ela marcou-me bastante. Não só pela carreira incrível que teve na Warner, mas especialmente pela sua história e o seu lado humano. A True Queen, I must say! Ainda hoje sigo vários conselhos que me deu.

Qual mensagem deixarias às mulheres do Cinema e Audiovisual?

Tratem as pessoas ao seu redor com respeito, honestidade e humildade. Elas tratar-vos-ão da mesma maneira, se assim o fizerem. Não tenham medo de questionar o porquê das coisas e aprendam a pedir ajuda. Admitir que precisam de ajuda não é um sinal de fraqueza, mas sim um sinal de respeito para com os outros e pelo o que estes podem fazer para contribuir para o vosso crescimento, seja no trabalho e/ou na vida. Arrisquem, se assim vos fizer sentido, e não tenham medo de errar. Errar é uma certeza da vida. E todos os erros ensinam-nos algo. Na realidade, até poderíamos dizer que não existem erros. Apenas coisas que aprendemos. 

Tudo isto faz parte do processo de aprendizagem e pelo caminho encontrarão sempre pessoas prontas a ajudar-vos a crescer, seja a nível laboral e/ou pessoal. Há muito boa gente por aí! For real! Às vezes pode parecer que não, but they're there! E mais importante, não há absolutamente razão nenhuma para que um emprego ou projecto não seja vosso e não deixem que ninguém vos diga algo diferente. Acreditem nas vossas capacidades, desejos e vontades. Esse é o primeiro passo para o sucesso. E nunca, em momento algum, comparem o vosso trabalho e sucesso com o dos outros. Não vale a pena. Apenas sejam vocês mesmas e foquem-se no vosso caminho, não no dos outros. E para finalizar, como digo sempre aos meus alunos, estagiários e aspirantes cineastas, simplesmente vejam filmes! 

A autora é nossa associada: Kathrin Frank 

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