Nome: Joana Ferreira
Idade: 48 anos
Profissão: Produtora de Cinema
Os teus dois últimos trabalhos: “Yoon” de Pedro Figueiredo Neto e Ricardo Falcão e “O Vento Assobiando nas Gruas” de Jeanne Waltz.
Onde e em que função trabalhas? E qual é a tua situação profissional atual?
Depois de dezesseis anos na CRIM Productions, onde produzi mais de quarenta filmes, e partilhava a produção e a linha editorial dos projectos; decidi criar a sopro filmes onde poderei produzir de forma autónoma, mais criteriosa, mais livre e de forma mais inclusiva.
Neste momento encontro-me em preparação de duas longas-metragens documentais que se irão realizar no final deste ano, e que serão ambas realizadas por mulheres. Estou ainda a aguardar resultados do ICA com alguns projectos de ficção e de documentário, e a trabalhar em conjunto com a RTP em novos projectos.
Achas que é um desafio uma mulher ser produtora de cinema? E na tua visão, as estruturas existentes precisam de ser alteradas para que mais mulheres possam produzir?
Apesar de toda a luta histórica, as mulheres ainda são uma minoria nos cargos de poder, na política e em diversos sectores, como é o caso do cinema. É, infelizmente, uma realidade transversal a quase todas as áreas da nossa sociedade. Historicamente o cinema é dominado prioritariamente por homens, brancos, heterossexuais.
Habitualmente os sectores da realização, produção, direcção de fotografia entre outros, são maioritariamente cargos masculinos.
Acho que, mais que um problema das estruturas existentes, é um problema de mentalidades e da cultura machista e patriarcal, que impossibilita esta mudança e que reforça a má prática das estruturas existentes.
Apesar de tudo, nestes últimos anos, existiu uma melhoria, mesmo que aparente, na representação feminina no cinema. Contudo, acredito que ainda não ultrapassamos a cultura machista e patriarcal. Acredito sim, que o capitalismo e o consumo excessivo a todos os níveis, absorveu esta consciencialização política e aproveitou-a como estratégia de mercado. Acho que ainda estamos muito longe de uma igualdade de direitos.
Num cinema dominado, maioritariamente, por homens, com ideologias tipicamente masculinas, o facto de poucas mulheres obterem financiamento para filmes de ficção é ainda uma realidade. Como produtora, que estratégias pensas que deveriam existir para aumentar a visibilidade das realizadoras no mundo do cinema? Mesmo levando em conta o apoio financeiro do ICA - Instituto do Cinema e Audiovisual.
A história do cinema português realizado por mulheres arranca verdadeiramente depois do fim do Estado Novo. E ainda assim, continuamos a assistir a tristes exemplos, como é o caso do belíssimo filme "O Movimento das Coisas", da realizadora portuguesa Manuela Serra, que teve a sua estreia, mais de trinta anos depois de ter sido filmado.
Olhando para o futuro, será essencial que mais mulheres filmem. Só assim poderá surgir uma sociedade mais aberta e inclusiva, verdadeiramente representativa e com mudanças reais.
Como produtora, são os projectos que me aliciam e me movem, mas é verdade que a minha vida profissional me tem levado de forma muito natural, a trabalhar mais com mulheres.
O Instituto do Cinema e Audiovisual tem desde há alguns anos no Apoio ao Cinema: no Subprograma de Apoio à Escrita e ao Desenvolvimento de Obras Cinematográficas e no Subprograma de Apoio à Escrita e ao Desenvolvimento de Obras Audiovisuais e Multimédia. uma majoração de 10% do apoio, a atribuir por plano, quando se verifique mais de 50% de autoria por mulheres em relação ao total de autores do plano. Parece-me um apoio insuficiente e que está longe de servir e dar visibilidade a todas as mulheres trabalhadoras do Cinema e Audiovisual. Gostaria que estes critérios de majoração fossem aplicados a todos os concursos, de forma a tornar possível a igualdade pela qual tanto ambicionamos.
O que é importante na construção das personagens femininas nas histórias que produzes? E como produtora, o que gostarias de ver mais no cinema português, tendo em mente a diversidade?
Acredito na importância de construir personagens femininas reais que falem sobre a experiência vivida pelas mulheres na sociedade, incluindo a opressão social, sexual e as lutas pessoais e coletivas em busca de igualdade.
Achas que houve mudanças positivas nas questões de igualdade de género, diversidade e equidade no Cinema e Audiovisual? Em caso afirmativo, quais?
Os vários sectores do cinema estão mais esbatidos em termos de género. Há mais mulheres em áreas tradicionalmente masculinas (por exemplo, imagem e som ) e há mais homens em áreas tradicionalmente consideradas femininas (guarda-roupa, cabelos, maquilhagem).
A violência e o assédio sexual da mulher no mundo do cinema é um assunto que precisa ser discutido. Na tua opinião, de que forma os produtores cinematográficos poderiam contribuir para prevenir e diminuir o assédio e a violência contra as mulheres na indústria cinematográfica?
Em 2017 o movimento “Me too” mostrou ao mundo, sobretudo na voz de algumas actrizes americanas, as suas experiências com o abuso sexual e o assédio, particularmente nos mais altos cargos. A misoginia e o assédio estão intimamente ligados ao abuso de poder que o cinema insiste em perpetuar. Não tenho nenhuma solução à vista, mas acredito que todas as minhas produções refletem de forma construtiva, o cinema de uma forma mais inclusiva, mais representativa e mais igualitária. Enquanto produtora, o meu papel é não fechar os olhos a qualquer indício de má conduta e agir imediatamente.
Qual a mensagem deixarias às mulheres do Cinema e Audiovisual?
Ação!
A autora é nossa associada: Kathrin Frank