Nome: Mariana Gaivão

Idade:  38

Profissão: Realizadora, montadora de cinema

As duas obras mais significativas da carreira profissional

Na realização, recentemente o “RUBY”.

Na montagem, este ano colaborei em “Fogo Fátuo” de João Pedro Rodrigues, “Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes nem Depois”, de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata e “Great Yarmouth: Provisional Figures” de Marco Martins, entre outras obras.

Onde e em que função trabalhas?

Desde muito cedo, ainda durante a Escola de Cinema, comecei a trabalhar como montadora de cinema e esse foi um caminho muito feliz para mim. Ao longo dos anos fui trabalhando cada vez mais e com pessoas que me marcaram muito profissional e pessoalmente. A minha estrutura de vida, de sobrevivência, foi sempre a trabalhar no cinema como montadora. Isso foi e ainda é um enorme privilégio. Um espaço muito particular e íntimo para pensar o cinema. Enquanto construía as possibilidades para poder realizar, as duas vidas foram-se entrelaçando. A montagem é, para mim, uma forma maravilhosa de pensar o cinema num espaço privilegiado, e a realização é o que me preenche mais plenamente mas tem longos percursos até ao financiamento e término de cada obra. Por isso os dois caminhos equilibram-se.

Eu conheço várias montadoras que depois pensavam na realização de filmes. Contavam que a montagem as ajudou depois com a narrativa e estrutura técnica do filme. Como é a tua experiência?

O que encontrei na montagem foi uma dimensão única do cinema. Uma que não vinha apenas da fotografia, da literatura, ou do teatro. Esta ideia da emoção no tempo, ou do tempo interior de um plano ou do frame - todas essas dimensões de tempo que não apenas o corte, que não apenas os blocos narrativos, eram como uma descoberta secreta e mágica. Não é nada único dizer isto, o Esculpir o Tempo do Tarkovsky dirá tudo isto muito melhor, mas a prática diária de estar a montar e perceber que estás num sítio onde pensas aquilo que define a natureza exata do cinema, o tempo, é maravilhoso.

Agora estou a pensar no teu filme RUBY, e a respiração do tempo. Como espectadora entras numa atmosfera, envolves-te dentro do mesmo plano. E o tempo de descobrir as coisas e detalhes cria um mundo em cada plano.

Absolutamente. Fascina-me muito a vida interior dos planos. A ideia de que a montagem não é só a découpage, apenas a colagem de vários pontos de vista na mesma cena. A montagem, para mim, é uma forma de permitir a cada plano encontrar a sua vida interior. E no seu auge passar para o seguinte. No “Ruby” podia filmar exatamente como eu queria, no sentido de permitir que em cada plano houvesse uma pequena estrutura de tempo onde tu sentes e percebes qualquer coisa do plano, que se move para além da história. Para mim é mesmo um lado emocional relacionado com o tempo, que me deixa envolver. Preciso de tempo, preciso dele para conseguir encontrar aquela vida interior ou descobrir o mistério daquela pessoa naquele sítio. E pude trabalhar isso até certos limites.

Como desenvolveste a personagem feminina neste contexto?

A primeira personagem que eu escrevi no primeiro argumento antes de conhecer todas as pessoas que iriam intervir no filme, era uma personagem feminina mas sempre muito andrógina e entre margens. Para mim, é uma personagem muito mais interessante do que absolutamente definida, até no género. E quando encontrei na altura a “Ruby”, o filme abriu-se e desabrochou. E tudo o que eu procurava fazia sentido. Nessas e noutras questões, o processo de pesquisa permitiu ao filme preencher-se de muito mais do que as minhas intenções. Nesse sentido, foi uma confirmação do que eu tinha escrito, mas uma ampliação imensa de coisas que estavam limitadas por mim, ampliada em mil formas e maneiras.

Dizes que és muito ligada às imagens. O que procuraste através das imagens para dar dimensão ao teu personagem?

Que o filme fosse profundamente rigoroso na sua abordagem formal. No “Ruby” era tudo muito direcionado em torno de criar um contraste de processo com os não-atores. Tinha aqui uma comunidade de não-atores, onde era tudo espontâneo, naturalista, etc.. E todo o meu trabalho e as minhas opções como realizadora eram no sentido de uma certa distância. Em relação especificamente à fotografia, trabalhei com o João Ribeiro, que é um diretor de fotografia absolutamente magnífico. Falamos a mesma língua. Filmamos em 16 milímetros e trabalhámos cada plano, cada emulsão, cada vidro pintado, cada hora de luz escolhida, procurando sempre um traço de hiper-realismo que não fosse absolutamente naturalista.

Procurei que todas as minhas opções nos dessem uma visão do filme com a sensação de um passo atrás, no quadro, na luz, no som (que foi trabalhado numa espécie de grandes planos sonoros dentro dos planos gerais de imagem). Tudo o que nos desse uma espécie de passo de respeito anti-naturalista perante os não-atores que estava a filmar. Porque se não, parecia-me um pouco vampírico ir para cima deles com a câmara na mão. A ideia das escalas é trabalhada para que, quando houver o momento em que a câmara se escolhe aproximar de um rosto, esse rosto tem a mesma dimensão das montanhas que viste até aí. Tudo isto foram escolhas pensadas para que o filme formalmente se defendesse da atração mais fácil do naturalismo.

O peso da maternidade é algo muito forte para as mulheres que trabalham dentro e fora da área Cinema e Audiovisual. Que desafios tu enfrentas, sendo mãe, e como é a tua experiência de trabalho no cinema?  

É uma pergunta muito complexa, e muito menos vezes dirigida aos realizadores homens. Ainda é difícil para mim olhar para trás e construir a narrativa clara do que ser mãe muda, o que não muda. Para mim, em particular, foi extremamente difícil conciliar as diferentes vidas no primeiro ano. Não por falta de paridade na parentalidade, mas porque a estrutura de trabalho em cinema é assente em ritmos, tempos e expectativas que não correspondem nem à maternidade nem, muitas vezes, às vivências mais básicas de ser mulher. Eu lembro-me de falar recentemente com várias mulheres sobre dores menstruais, de dismenorreia e de problemas menstruais que não têm nada a ver com ser mãe. Mas, na prática, são ciclos da nossa vida que muitas temos desde os 12 anos e que isso continua a não ser falado e nem sequer respeitado em ambientes de trabalho. Portanto, ser mãe, para mim, é uma ampliação extrema disso, é uma continuação dessa falta de envolvência e de condições. 

De uma forma se calhar paradoxal, ser mãe afunilou absolutamente as minhas opções, ou seja, tinha agora então que criar de uma forma extremamente urgente, quase como forma de sobrevivência, as condições necessárias a outra vida. O tempo passou a ser único e absolutamente finito. Ao ter que inventar uma nova vida para mim e para ela, comecei a questionar o ciclo de trabalho interminável em que estava há vários anos e o que seria preciso fazer para viver de outra forma. Nesses primeiros meses, fiz sozinha um pequeno filme (“First Light”) com um apoio de um Festival de Cinéma (Festival du Nouveau Cinéma em Montreal), que me permitiu reencontrar uma artesanalidade do cinema que me permitia viver ao ritmo do que estava a descobrir. E isso marcou todo o caminho até ao “Ruby”, ecoando nos meus novos projectos. 

A minha filha nascer tornou óbvio as estruturas de vida que eu queria criar para mim. Portanto, por um lado, criou imensas impossibilidades práticas que eu tive que galgar, como muros que tive de ultrapassar e que ainda hoje são difíceis de conciliar com uma vida em cinema. Por outro, tornou muito evidente o tipo de vida que eu queria criar. Portanto, as duas coisas, uma negativa e uma positiva, foram e são indissociáveis. 

Sentes-te depreciada pela sociedade como mulher e mãe trabalhadora, sobretudo em Portugal?

Eu acho que é transversal à sociedade e acho que é uma intersecção de várias questões. São questões de género, mas também são questões de classe e de várias lutas interseccionais que nós herdamos e que temos que continuar. O cinema continua a ser, em muitos aspetos, um privilégio de classe. Quem é que consegue estar a pesquisar, realizar e terminar um filme durante dois anos? No meu caso tinha montagens alternadas com os tempos em que fazia a pesquisa, para conseguir ter o tempo fora para as minhas criações. Mas se não tivesse isso, que também é um privilégio em si, como é que poderia estar a realizar? Por exemplo, a ficção é objetivamente mais difícil de financiar como mulher do que como homem. Tradicionalmente, tem sido mais acessível financiar longas documentais como autoras do que em longas de ficção. Não necessariamente sempre por apetência, mas por decisão das estruturas de apoio. Portanto, se colocas mais uma camada a isto, seja de mãe trabalhadora que retira não sei quantos dias por semana ao seu trabalho, seja porque os teus pais dependem de ti para sobreviver…  Quanto mais camadas sobrepostas, mais difícil é o acesso à criação.

Em Portugal, as longas metragens de ficção são ainda tradicionalmente associadas a realizadores homens e de um certo privilégio social, apesar de lentamente estarmos a mudar.

Temos que trabalhar estas questões e temos que o fazer sem cair apenas nas armadilhas da tokenização de algumas realizadoras como falsa bandeira de paridade, ou - igualmente perigoso - na tentativa de afunilar identitariamente um “cinema feminino”. Sermos cineastas, em toda a sua multiplicidade temática e formal, é também um direito.

Muitas mães trabalhadoras do cinema são forçadas a desistir porque não há apoio externo. O que gostarias de ver em termos de cuidados infantis e apoio institucional para aliviar os desafios e obstáculos de uma mãe trabalhadora no cinema?

Acho que há um grande trabalho a fazer, como sociedade, para que todas as pessoas envolvidas na maternidade tenham apoio. O que é que queremos, como sociedade, dar de privilégios iniciais a uma criança que está a crescer? Como é que, em sociedade, conseguimos educar, alimentar e criar uma criança? - não devia ser um trabalho solitário. Dentro do cinema, acho que é necessário, acima de tudo, identificarmos as questões em conjunto e propormos soluções práticas aos nossos contextos de trabalho - é o primeiro passo. Seja nesta união da MUTIM, seja nestas conversas. Trazer ao de cima questões que não foram faladas durante décadas e décadas e que são assumidas como normais. Ser mãe não nos devia privar do direito ao trabalho, nem das condições de vida saudáveis para o sermos. Devemos pensar o cinema de uma perspetiva humanista no seu processo.

Sobre todo essa questão da perspectiva humanista, porque existe ainda muita desigualdade de gênero, e não só no cinema…

Há mulheres que regressam ao trabalho quando o bebé tem ainda semanas, ainda a amamentar, não por escolha mas por não terem direito a qualquer outra alternativa. Vivemos em um país onde isto é normal. Nisto, o cinema, para mim, torna-se mesmo na ampliação das estruturas mais negativas da sociedade, porque quando se criam estes momentos de trabalho, como nas rodagens de cinema, tudo é hiperfocado, hiperambicioso, porque é caro. Não há perdão. Não há margem para a vulnerabilidade. Menos ainda que noutros contextos de trabalho.

Enquanto continuarmos a fazer filmes assim, enquanto os nossos modelos de produção repercutirem os modelos de produção da sociedade onde vivemos, que é esmagar aqueles que têm menos, o cinema continuará a ser um contexto de trabalho assente no privilégio de poucos e na exploração dos demais.

Mas é possível fazer de outra maneira, há já tantos exemplos. A nossa ambição devia ser fazer os nossos filmes, entendendo que as pessoas emprestam parte da sua vida para os fazer, e isso é um processo conjunto, um bom conjunto. Portanto, acredito em criar modelos de produção que repercutem nos filmes essa amplitude de “o filme é uma obra autoral”, mas as equipas que o criaram, sejam 5 ou 50 viveram-no. Ou seja, há uma permeabilidade desse processo que tem que ser humanista. Se não for, não me interessa de todo. 

Que tipo de educação feminista estás a dar à tua filha? E o que é que disto se reflecte nos teus filmes?

Fui aprendendo a ensinar, do que herdei também da minha avó e da minha mãe, ambas pessoas monumentais nas suas lutas e percursos, e profundos exemplos de vida para mim. Para a minha filha, entre vários conceitos, tentei criar sempre a ideia da sua própria agência no mundo. Isto é, a forma mais básica que consigo pôr a resposta, porque depois isso repercute-se todos os dias, em todas as ações, em todas as formas como tu dás o exemplo, como vives. Por exemplo, quando ela era pequena, começou a ver filmes lentamente. E desde que tivemos a possibilidade de ter um diálogo um bocadinho mais complexo, ensinei-lhe o que era o bechdel test. Tornou-se um jogo. Ela via e percebia que num filme com uma protagonista, esta nunca ou quase nunca falava a sós com outras personagens femininas, e quando o fazia, era quase sempre sobre uma personagem masculina ausente. Ela ficou muito chocada ao início, com cinco anos:

Mas mãe nem este filme?”, “Não, nem A PEQUENA SEREIA passa o Bechdel test”.

Vimos a mesma coisa noutros filmes de crianças e naqueles com que eu cresci, como filmes do Chaplin e do Tati, que eu admiro e que respeito e que me influenciaram para toda a vida, mas que eram obras criadas por homens, faladas por homens e narradas por homens. E ela diz-me: “Mas porquê?”, e eu digo: “A minha geração e depois a tua geração, vamos conseguir criar narrativas, seja no cinema, seja no nosso trabalho, seja noutras coisas que dêem voz à nossa perspetiva”.

Ela percebe que está rodeada de narrativas que pode gostar e admirar, mas que pode também observar de forma crítica. E acho que isso despoleta uma data de questões à medida que ela vai crescendo sobre a hegemonia de uma perspetiva em vez de outra, sobre a forma as múltiplas desigualdades - não apenas de género - que permeiam a nossa sociedade. Em relação a como é que isso se reflete no meu trabalho? Que aquelas vozes que eu escolho como centro do quadro sejam vozes de uma qualquer resistência anti-hegemónica que possa ser trazida ao de cima, que de outra forma não seria. E, nesse sentido, posso fazer filmes a partir de uma perspectiva feminina, mas também de outras mil resistências.

Com certeza há uma influência grande da tua filha em como tu pensas os teus filmes... 

Há. O “Ruby” foi em parte um filme que eu comecei a escrever quando pensei no que a minha filha iria achar se eu optasse por viver exterior ao sistema comum, como na altura ponderei fazer, na Serra de Góis, junto da comunidade que conhecia. O que iria ela julgar dessa minha escolha quando tivesse 15 anos, crescer ali, crescer longe, não crescendo na cidade, não crescer ao pé do resto da família, mas de crescer com outros mundos. Os conflitos que surgiriam. O “Ruby” começou por ser o que ela vai achar da minha decisão como mãe. Portanto, eu não era já a personagem de 15 anos, a punk com quem sempre me identifiquei, eu era a personagem dos pais fora do quadro, cujas opções tinham repercussões na personagem principal. A minha filha trouxe uma imensa complexidade à minha forma de ver o mundo.

O que desejarias no que diz respeito à igualdade de género na nossa área profissional? Que condições poderiam ser melhoradas para as mulheres e dissidentes?

Falta tanta coisa. Faltam estruturas de trabalho que contemplem as necessidades específicas de, por exemplo, ser mulher. Como faltam muitas condições de trabalho transversalmente, em qualquer contexto laboral na nossa sociedade. Por outro lado, falta uma paridade lógica nas oportunidades. E se isto nos parece incompatível, então acho que temos que falar muito mais, conversar muito mais e tentar trabalhar conjuntamente para percebermos o que é que estas duas opções querem dizer e como é que são absolutamente compatíveis. Em relação especificamente ao cinema, falta por exemplo uma igualdade de oportunidades no acesso ao financiamento. Um pensamento profundo sobre isso. Não apenas dizer “falta”, mas construir um espírito crítico conjunto. Perceber porquê e depois trabalhar as várias questões, como as condições laborais, a paridade e o acesso à própria autoria.

Ainda hoje o cinema em muitos casos é muito estereotipado. Embora existam alguns lugares para narrativas feministas, dissidentes, progressistas, quem está em posição de decidir se um filme se produz, se tem financiamento ou não, prefere escolher, em muitos casos, outros caminhos. Numa visão feminista, em que direção está a evoluir o mundo profissional do cinema e audiovisual? 

É complexo. As estruturas de poder e de escolha ainda herdam de uma misoginia tradicional, no sentido de avaliar a capacidade de uma mulher de uma maneira diferente da capacidade de um homem. Mas eu acredito mesmo na nossa capacidade de trabalhar em conjunto, em identificar as questões e em discutir formas de avançar. Tenho sentido que há uma evolução nas estruturas de trabalho, nas equipas e que tem havido uma evolução na dignidade com que se pensa no trabalho das pessoas que vamos trazer para os nossos projetos. A dignidade no trabalho não devia ser um privilégio de classe e não devia ser um privilégio de posição na hierarquia laboral, seja no cinema ou fora. A dignidade devia ser um direito inerente a qualquer pessoa que ponha os pés no trabalho.

Neste contexto também podemos falar sobre o sexismo e o assédio no cinema. Alguma vez sofreste alguma discriminação ou violência de género?

Lembro-me das primeiras equipas onde trabalhei. Isso foi no início da escola de cinema, portanto há mais de 15 anos. Nestas primeiras equipas, muito mais velhas, havia definitivamente uma estrutura extremamente misógina, classista, autoritária e de agressividade diária, de constantes comentários e gestos. Era literalmente o pior que podias encontrar, um power play constante. Toda a gente era uma grande besta e tu tornavas-te numa besta também. Aquilo desinteressou-me profundamente e mudei para a montagem como forma de proteção. Ainda hoje há os ecos de uma hierarquia violenta. Mas, nas equipas onde trabalho agora, é bastante diferente e tem sido trabalhado e verbalizado coisas que nos parecem básicas, que é um grande alívio ver que foram mudando. Mas claro, sempre que há poder, há a possibilidade de abuso desse poder. O assédio sexual tem sido um legado de sempre dessas estruturas de poder, desse exercício de poder sobre o próximo.

E achas que faz falta uma espécie de manual da educação sexual? Nós sabemos como ter uma conduta boa e não, mas muitas pessoas, ainda ligadas às estruturas antigas, nem sequer têm acesso a esse conhecimento.

Eu acho que o nosso trabalho está inerentemente ligado ao trabalho que temos que fazer como sociedade para trazer estas questões ao de cima, desconstruí-las no que for possível e em tudo o que não for possível desconstruir, legislar. Isso aplica-se tanto a uma rodagem como a uma montagem, mas essencialmente, aplica-se à nossa vida em sociedade. Eu acredito sempre em não pensar o cinema como um microclima, mas como algo envolvido numa sociedade abrangente, onde nós mesmos também somos cidadãos e onde temos que intervir ativamente para criar exatamente tudo que estamos a falar para o cinema. Mais condições para mães que são trabalhadoras, mais condições para mulheres, mais condições para todo o trabalho, tal como mais condições para se entender e se erradicar o que é assédio sexual.

Tenho muita fé na geração nova. Mas, ao mesmo tempo vemos um progresso terrível, que se prolonga há já algum tempo.

Totalmente. Eu tenho absoluta fé no futuro, em quem vai ler mais do que nós, em quem vai continuar a luta. Mas também estou muito consciente que há aqui uma grande cisão, ampliada pela forma como vivemos, desligados uns dos outros, que está exatamente no oposto que nós estamos a falar. Está no oposto dos direitos das mulheres, está no oposto dos direitos básicos, está no oposto da dignidade, está no oposto das condições laborais.

Não há nenhuma linearidade nisto e em muito pouco tempo podemos retroceder. Portanto, tenho fé na força da juventude, mas acho que temos que trabalhar muito conjuntamente. Temos que pensar muito sobre o que está a acontecer e agir agora. Se não, tudo o que achamos que são direitos inerentes, para além daqueles que achamos que faltam, vão desaparecer em dez anos.

Há alguma mulher ou dissidente que te inspiras profissionalmente?

Muitas. No cinema contemporâneo, a Kelly Reichardt. Ela é uma referência muito profunda, em muitos níveis. A Chantal Akerman, por razões também subterrâneas e misteriosas. Não sempre paralelas ou óbvias. A Lucrécia Martel. O mistério das pessoas e dos corpos nos planos. Esta ideia de vida interior fascina-me muito. Há muitas mais dentro do cinema, fora do cinema, e principalmente na música, onde tenho milhares de referências diretas para o que eu faço, mais do que as vindas do próprio cinema. Vozes que sempre inflamam uma resistência qualquer. Kim Gordon, Patti Smith, Sister Rosetta Tharpe, entre tantas outras.

Que mensagem deixarias às companheiras do cinema e audiovisual?

Falemos. Trabalhemos para criar um mundo mais digno para o nosso trabalho, aquilo que todas queremos fazer.



A autora é nossa associada: Kathrin Frank 

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