Nome: Adriana Bolito

Idade: 48

Profissão: Directora de Som

As duas obras mais significativas da carreira profissional:

“Amor Fati”, de Cláudia Varejão e “A Metamorfose dos Pássaros”, de Catarina Vasconcelos.

Onde e em que função trabalhas e qual é a tua situação profissional actual?

Sou operadora de som, directora de som, e trabalho como freelancer essencialmente em documentário, foi aliás em documentário que me formei, nos Ateliers Varan, na Fundação Calouste Gulbenkian. Estou ligada a uma pequena produtora que ajudei a fundar, em 2002, a Ricochete Filmes, também muito ligada ao documentário, à qual se juntou, mais tarde, outra produtora, a Continue Walking. Temos em conjunto um atelier onde partilhamos espaços, material, tempo e ideias. Apesar de estar na formação da Ricochete também trabalho com outras produtoras. Tenho tido uma relação mais próxima com a Terra Treme e com a Primeira Idade.

Como definirias o teu trabalho e estilo como directora de som?  

Não sei bem se existe um estilo definido para um director de som. Acho que cada projecto tem o seu estilo, a sua linguagem própria. Durante a rodagem a partitura sonora e visual vai-se compondo à medida que o filme se vai tecendo. Às vezes são os sons que vêm ter connosco, aparecem inesperadamente. Outras vezes vamos procurar determinados ambientes e determinadas texturas. Cada filme é um trabalho único e irrepetível. 

Muitas vezes, durante determinados takes, tenho uma espécie de epifania sonora e ao falar com a realizadora ou realizador sobre esses mesmos takes especiais percebo que é quase certo que aquele plano vai fazer parte do filme. É algo meio místico e que pode soar a uma coisa meia absurda, mas é o que realmente acontece. 

Se tivesse que definir o meu trabalho diria que sou uma directora de som de documentário, apesar de também gostar de fazer ficção.

A realidade mostra que existe uma percentagem baixa de directoras e operadoras de som. Porque pensas que isso acontece e o que achas que deve mudar para que mais mulheres entrem nesta profissão? 

Eu acho que há cada vez mais mulheres a fazer som. Eu vejo que na MOSCA (Movimento dos Operadores do Som para Cinema e Audiovisuais) existem muitas mulheres e bem mais dinâmicas do que eu. Estou certa que daqui a uns anos isto nem será mais uma questão. Durante muito tempo, o meio do cinema e dos audiovisuais teve certos sectores praticamente reservados aos homens. Não era apenas na área do som, nas outras áreas, câmera, realização, muitas outras eram e ainda são, infelizmente, mais ocupadas por homens do que por mulheres.

Para fazer som, e especialmente para fazer perche, é necessário estar fisicamente bem preparado e julgo que durante muitos anos achou-se que uma mulher não teria tanta capacidade de estar horas a fazer perche, porque nós somos naturalmente feitos de preconceitos, todos nós, homens e mulheres. Como foi uma profissão maioritariamente feita por homens, os directores de som até há relativamente pouco tempo não estavam confortáveis ou não concebiam simplesmente a ideia de trabalhar com mulheres assistentes e escolhiam naturalmente homens. 

Normalmente, no som, começamos por ser assistente e só depois passas a directora. Ora, se os directores de som homens apenas escolhiam homens para o cargo de assistente era muito difícil para uma mulher começar a fazer som.

Estou certa que hoje, em 2022, muitos dos directores de som homens já não têm nenhuma questão em convidar uma mulher para assistente de som.

Acho que está, ainda que lentamente, a mudar. Não quero dizer com isto que estamos em pé de igualdade. Mas que está a mudar é um facto. 

Quando comecei a fazer som, em 2006, existiam muito poucas mulheres a trabalhar no som: a Armanda Carvalho, a Raquel Jacinto e a Michelle Chan. Falo no cinema que é a área em que me movo, mas sei que na televisão e publicidade também há cada vez mais mulheres.

Eu tive a sorte de ter sido convidada por duas realizadoras, que também estavam a começar o seu percurso no cinema, a Cláudia Alves e a Rita Brás que acreditaram em mim. E, nesse mesmo filme, tive um grande incentivo da Graça Castanheira e da Cláudia Varejão, que foram as montadoras desse documentário, que me deram os parabéns pelo meu trabalho, pois sabiam que estava a começar. Era o meu primeiro filme depois da escola.

Pouco tempo depois tive mais uma vez a sorte, pois o Joaquim Pinto, que foi meu professor de som nos Ateliers Varan, viu o meu potencial e deu o meu nome para fazer uma curta. Como muitas vezes acontece, um trabalho puxa o outro e aqui estou em 2022 a trabalhar no som com pessoas que eu gosto muito e que já fazem parte da minha família de amigos.

Sentes-te reconhecida na função que desempenhas no teu campo profissional?

Sim, sinto que sou reconhecida, embora eu trabalhe numa espécie de bolha. Tenho o privilégio de trabalhar com pessoas que já eram ou que entretanto se tornaram minhas amigas e que estão associadas a produtoras mais pequenas ou recentes, como a Terra Treme e a Primeira Idade, onde nunca senti na pele a diferença de tratamento entre géneros. Também não sei nada do que se passa no mundo da televisão ou da publicidade. Apesar de ter a consciência de que os prémios valem o que valem, o Prémio Sophia Melhor Som que recebi este ano, juntamente com a equipa de som do filme “A Metamorfose dos Pássaros”, foi também uma forma de ver o meu trabalho reconhecido. 

O peso da maternidade é algo muito forte para as mulheres. Que desafios enfrentas e como é a tua experiência de trabalho, sendo mãe?

Quando fui mãe decidi fazer uma pausa durante um ano mas depois foi muito complicado regressar ao trabalho. Quando tens um filho pequeno é muito difícil conciliar os dias de rodagem infindáveis, com semanas a fio, com a vida pessoal. A menos que tenhas uma rede familiar que te apoie - o que não era o meu caso, que tinha apenas a minha irmã que podia ajudar.

Foi nessa altura que deixei praticamente de fazer ficção. O documentário, além de ser o género de cinema com que me identifico mais, acabou por ser o género que se concilia mais com a minha vida familiar, pois é mais espaçado no tempo. Numa curta de ficção ficamos 4 semanas sem vida, numa longa ficamos oito a dez, são processos muito intensos, entras numa espécie de vortex, o que é realmente interessante para o processo, mas quando tens filhos isto tudo é muito difícil. 

A rodagem de um filme documental é mais estendida, durante meses, um ano ou mais, mas menos intensiva, sendo que acabo por ter mais tempo para estar com a minha filha, apesar de ser mais moroso.

Das poucas vezes que trabalhei em Televisão tive o privilégio de trabalhar no “Armário”, uma série sobre moda apresentada pela Joana Barrios e, como a Joana também é mãe, as filmagens respeitavam os nossos horários e necessidades como mães.

Se calhar precisamos de mais mulheres mães à frente de projectos.

Quais condições poderiam ser melhoradas para as mulheres e dissidentes?

Num mundo ideal deveríamos trabalhar menos horas, ser mais bem pagas, ter mais tempo de licença de maternidade. Mas isso é uma luta de todas as trabalhadoras e trabalhadores em geral.

Como a maioria das pessoas que trabalha em cinema é precária e está a recibos verdes, nem sequer pode ter licença de maternidade ou paternidade. Ou deixa de trabalhar para dedicar tempo aos filhos ou terá que colocar os filhos em berçários ainda com poucos meses. Nem todas as pessoas podem ter o privilégio de deixar de trabalhar para dedicar tempo aos filhos. 

Mesmo depois do tempo de licença, para quem tem direito a ele, é realmente complicado conciliar uma rodagem de uma longa ou até mesmo curta com a vida familiar, especialmente quando tens filhos muito pequenos.

Sei que algumas mulheres que trabalhavam em som deixaram de o fazer quando tiveram filhos. 

Numa visão feminista, em qual direcção está a evoluir o mundo profissional do Cinema e Audiovisual? 

Mais uma vez só posso falar no mundo do cinema que conheço, no mundo da televisão e da publicidade não tenho noção de como estão as coisas.

Sei que há mais mulheres a fazer som e tenho a certeza que as gerações que estão agora a sair das escolas de cinema terão cada vez mais mulheres a ocupar lugares que foram durante anos quase exclusivamente ocupados por homens. Espero que daqui a uns anos isto não seja mais uma questão.

Qual é o teu ponto de vista sobre o sexismo e o racismo no campo profissional do Cinema e Audiovisual? Alguma vez sofreste alguma discriminação ou assedido?

Nunca sofri assédio, mas lá está, eu trabalhei sempre com pessoas que conhecia bem, ou relativamente bem. Mas já senti discriminação, pontualmente. Percebo que muitas vezes as pessoas não têm noção que estão a discriminar. E quando as chamo à atenção ficam normalmente a reflectir. “Não dirias isso a um homem” é a frase que mais uso nestas situações. 

Num dos primeiros filmes em que trabalhei como directora de som, em 2006, tive um assistente, que por acaso era um homem, que foi escolhido pela produção.

Durante o filme a maior parte das pessoas da equipa assumia automaticamente que eu é que era a assistente, por ser mulher e por ser jovem.

Mais tarde, na estreia dessa curta, na Cinemateca, vi que nos créditos finais do filme o nome do assistente/perchista aparecia como director de som a par comigo, e logo a seguir, em todas as fichas técnicas desse filme e nos sites dos festivais o meu nome foi literalmente obliterado. 

Na altura, 2007, eu estava a começar, ainda era muito verde e não tive coragem para confrontar o realizador ou a produtora. Hoje isso não aconteceria.

Existe racismo no sector do cinema em Portugal. Não um racismo declarado, mas sei que é muito difícil, por exemplo, para uma actriz ou um actor negros trabalharem em exclusivo na sua profissão em Portugal, mais ainda do que já é para qualquer um.

A única vez que trabalhei em publicidade, em 2007, estávamos a gravar um vox pop na rua (entrevistas na rua) e o copy veio ter comigo e com o director de fotografia a dizer para não perdermos tempo a entrevistar “pessoas não brancas”, que “o cliente não ia usar na sua publicidade pessoas não brancas”… Na altura foi um grande soco no estômago para mim e para o director de fotografia e até hoje não trabalhei mais em publicidade. Mas também reconheço que a publicidade parece estar cada vez menos preconceituosa e com uma abordagem mais inclusiva. Ou serão apenas novas directivas de marketing?

Qual mensagem deixarias às companheiras da área do Cinema e Audiovisual?

Que apesar das coisas estarem muito melhores a luta é contínua. Que nunca desistam, apesar das dificuldades. E que para cada injustiça haja uma denúncia. Que se entenda que o que permitimos a nós mesmas permitimos a todas. E não deixem de ser mães, as que gostariam de o ser, por causa do trabalho. E tudo isto vale para as mulheres que trabalham em cinema ou noutra área qualquer.



A autora é nossa associada: Kathrin Frank 

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