Foto: © Daryan Dornelles

Nome: Isabél Zuaa

Idade: 35 anos

Profissão: Atriz, Diretora, dramaturga, que canta e dança

As duas obras mais significativas da carreira profissional: complexo responder a essa questão… mas Kbela de Yamin Tháiná e Doutor Gama de Jeferson De 

Onde e em que função trabalhas?

Sou uma artista multidisciplinar freelancer, o que significa que não tenho um emprego fixo, sou criadora e para além de criações e co-criações, colaboro com outros artistas, performers, diretoras e diretores em teatro e cinema principalmente.

Qual é a tua situação profissional actual?

Artista independente.

Sentes- te reconhecida na função que desempenhas?

Sim. Apesar da estrutura social ver o meu corpo e minha história como o “outro”, a “outra” história e isso se refletir na arte, infelizmente, mas temos conseguido mudar as perspectivas resgatando a auto-estima e honrando nossas vivências tanto fora da ficção como dentro dela. 

Numa visão feminista, em que direção está a evoluir o mundo profissional do Cinema e Audiovisual em relação ao tema da diversidade e interseccionalidade?

As boas vontades e intenções ainda não são suficientes para uma real mudança, lembrando também que o tokenismo continua atuando de forma muito evidente na maioria das produções, onde existe uma cor dominante culturalmente, que está nos postos de poder, privilégio e decisão.

Nunca poderei ter uma visão feminista sem acrescentar ser negra nessa relação, pois o feminismo por si só é segregado por não abranger todas as mulheres. 

De facto, temos alguns avanços na teoria e na imagética no mundo profissional do Cinema e Audiovisual, mas na prática ainda estamos a anos luz de uma diversidade e democracia racial representativa nesses sectores.

O racismo é um problema estrutural na nossa sociedade e compreende também uma representação frequentemente estereotipada de mulheres negras. O que podemos fazer para o mudar? 

O racismo é um problema estrutural da nossa sociedade que a maioria das pessoas que lutam contra ele são as pessoas que sofrem essa violência e opressão. Quando toda a sociedade tiver como pauta emergente acabar com o racismo, a mudança virá automaticamente.

Tu trabalhas muito no Brasil. Se tiveres de comparar o Brasil com Portugal qual é a principal diferença em termos de produções culturais com uma política descolonizada? 

A principal diferença entre Brasil e Portugal, na minha ótica, é sem dúvida o tamanho dos Países. O Brasil é um país de escala continental onde produções refletem o seu tamanho e com as políticas de ação afirmativa como o sistema de cotas, por exemplo, onde a diversidade nas produções aumentou significativamente nos últimos anos. Em Portugal as produções para além de serem mais reduzidas e se concentrarem geograficamente na capital, Lisboa, refletem muito pouco a diversidade cultural integrada na sociedade portuguesa. 

A importância da interseccionalidade continua a ser fundamental. Mas ainda há muito a fazer para melhorar as condições e o reconhecimento para todas as mulheres. O que desejarias para o movimento feminista neste contexto? 

Desejo que os movimentos feministas sejam menos elitistas e apartados. Quando se pensar em questões de gênero é imprescindível que estejam nesta equação a cor, a classe, a sexualidade. É necessário que se pense numa esfera mais ampliada, justa e de equidade. Audre Lorde diz “Não serei livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo que as suas correntes sejam diferentes das minhas”. Para mim, essa frase aglutina questões sobre o feminismo que acredito: o coletivo. Todas as conquistas individuais são de extrema importância, mas é em conjunto que movimentamos a estrutura social. Ou seja, o Feminismo negro é que é inclusivo. Como Angela Davis diz: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura social se movimenta com ela”.

O que achas que faz falta ao cinema e audiovisual português? 

Financiamento, diversidade e consultoria.  

Há alguma mulher que te inspira profissionalmente? Quais filmes, autoras e realizadoras te influenciam? 

Há sim, muitas, algumas que já se tornaram ancestrais e outras que ainda estão nesse plano, felizmente: Sarah Moldoror, Adélia Sampaio, Whoopi Goldberg, Viola Davis, Hattie Mcdaniel, Mercedes Batista, Ava Duvernay, Sabrina Fidalgo, Vanessa Fernandes, Yasmin Thayná, Juh Almeida, Viviane Ferreira, Larissa Fulana de Tal, Clara Anastacia, Denise Fernandes, Ruth de Souza, Zezé Motta, Léa Garcia, Valdinei Soriano, Lupita nyong'o, Regina King, Kasi Lemmons, Nia DaCosta, Melina Matsoukas, Issa Rae, Michaela Coel, Shonda Rhimes… estas mais ligadas ao universo do cinema… e felizmente conhecendo outras cada vez mais.

E outras mulheres que me inspiram na vivência diária que não separo da arte: Nzinga Mbandi, Nina Simone, Miriam Makeba, Tereza de Benguela, Fernanda Preta, Titina Silá, Carmem Pereira, Lilica Boal, Paulina Chiziane, Angela Davis, bell hooks, Maya Angelou, Audre Lorde, Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, Audre Lord, Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Denise Ferreira da Silva, Grada Kilomba, Chimamanda Ngozi Adichie, Luiza Mahin, Ella Fitzgerald, Wangari Maatha, Leymah Gbowee, Patricia Hill Collins, Ana Maria Gonçalves, Saidiya Hartman, Leda Maria Martins, Djamila Ribeiro, Nina Silva, a minha avó, a minha mãe, as minhas vizinhas, as minhas amigas, entre outras …

A procura de uma estética positiva e a re-significação dos nossos corpos é política. Como traduzes isso na construção das personagens femininas que interpretas?

Como intérprete, mulher e negra, existem vários estereótipos e pré-conceitos impostos social, política e artisticamente. Ao longo da minha trajetória e tomadas de consciência, procuro nas minhas criações e parcerias, resgatar a imagética de corpxs negrxs nos objetos artísticos com autoestima, permeando as personagens de subjetividade e contradição dando caminho á “humanidade”. Nesse sentido, trazer a diversidade e multiplicidade nas narrativas, ajuda a sair desse olhar preconceituoso. É extremamente importante que as dramaturgias se desapeguem da lacuna de acreditar no mito da “história única e oficial'', para se basearem nas suas escritas, pois isso torna-as falaciosas, pobres e obsoletas. 

Li que o teu desejo é criar uma casa de cultura na periferia de Lisboa. Conta-nos um pouco mais.

Sim. Um desejo antigo mas que a cada dia se torna mais urgente. Ter um espaço onde se partilhe arte, onde se desenvolvam criatividades, formações, expansão, nutrição a todos os níveis… parece-me de extrema valia e importância.

Que mensagem deixarias às mulheres e dissidentes do Cinema e Audiovisual?

RESILIÊNCIA é a palavra que tem que estar todos os dias na folha de serviço/ordem do dia

e

O maior talento que podemos ter é não desistir. Isso não significa que tenhamos que aguentar violências e absurdos, muito pelo contrário, às vezes desistir do “outro” para existir em “nós”.


A autora é nossa associada: Kathrin Frank 

Previous
Previous

CLAUDIA VAREJÃO

Next
Next

ADRIANA BOLITO