Nome: Luis De Filippis

Profissão: Realizadora

As duas obras mais significativas na tua carreira profissional:

  • For Nonna Anna (2017)

  • Something You Said Last Night (2022)


Em que função trabalhas na indústria cinematográfica e qual é tua situação profissional atual?

Eu sou uma realizadora que se concentra em escrever e realizar filmes narrativos de ficção. Mais recentemente, tenho estado a desenvolver uma tour com a minha primeira longa-metragem, "Something You Said Last Night", desde a sua estreia no TIFF - Festival Internacional de Cinema de Toronto em setembro do ano passado.

A tua primeira longa-metragem, "Something You Said Last Night", é sobre uma jovem mulher trans que oscila entre ligar-se a e amadurecer, afastando-se, da sua família, durante uma viagem com todos. A história decorre num espaço confinado e acontece no contexto de um microcosmos, dentro de um curto período de tempo. Por que escolheste esse tempo-espaço-microcosmos para a narrativa do filme?

Preencher uma página em branco pode ser uma tarefa assustadora. Existem tantas maneiras de contar uma história, e a quantidade de escolhas, para mim, na verdade, é um obstáculo no processo criativo. Gosto de impor limitações e restrições a mim mesmo. Neste caso, foi um único local. Isso também foi a minha mente de produtora a entrar em ação, e a fazer-me pensar de forma pragmática. 

Eu sabia que seria desafiador financiar a minha primeira longa-metragem e não queria desperdiçar tempo e recursos preciosos procurando ou mudando de localizações. Quanto mais tempo pudéssemos dedicar à realização efectiva do filme, mais forte o filme seria.

A relação de apoio entre mãe e filha é uma mudança bem-vinda em relação às típicas representações, clichês e narrativas traumatizantes frequentemente vistas em filmes queer. As pessoas trans são muitas vezes retratadas nos filmes de forma unidimensional. Ren, por outro lado, é uma personagem complexa, e um membro confiante da sua família. Ela não é apenas uma mulher trans, ela é uma irmã e uma filha, e isso vem em primeiro lugar. Conta-me mais sobre a tua motivação.

Na maioria dos filmes sobre pessoas trans, vêmo-las recebendo amor, apoio, dependendo muito dos outros personagens. Mas Ren é uma personagem que dá tanto quanto recebe, às vezes até mais do que recebe. Por outro lado, acho importante afastarmo-nos de uma tendência que existe de colocar personagens trans num pedestal. Podemos ser confusos, tomar decisões erradas, ser egoístas, não precisamos ter todas as respostas. Ren é uma personagem que faz o melhor que pode, mas, no fim de contas, tem falhas, e é nas suas falhas que nos reconhecemos, independentemente de sermos trans ou não.

O teu filme permeia o quotidiano de uma família sensível, com uma grande profundidade amorosa; a autenticidade das atrizes é excelente. Como trabalhaste com elas para alcançar esse tipo de profundidade? Que influência isso teve na mise-en-scène do filme?

Passámos muito tempo juntos antes das filmagens, só eu e os quatro membros principais do elenco. Não ensaiamos cenas propriamente ditas, mas apenas convivemos, improvisamos e exploramos a dinâmica entre todas as personagens. Cada uma delas tem a sua relação única e eu queria que isso transparecesse no filme. Por exemplo, a relação de Guido com Siena, a sua filha mais nova, é muito diferente da sua relação com a filha mais velha, Renata. E é nas pequenas coisas que isso se vê. Os actores tinham de estar muito à vontade uns com os outros na vida real, não se pode fingir esse tipo de ligação.

Por que escolheste filmar o filme em 35mm?

O formato de 35mm obrigou-me a ser específica e fazer escolhas ousadas. Não existe, por exemplo, a opção de se filmar infinitamente de diferentes ângulos. Chega-se ao set todos os dias sabendo-se exatamente o que é preciso A experiência de filmar em película mantém as coisas precisas e concretas.

Uma das tuas declarações é: "Temos tantas outras histórias para contar com uma perspectiva diferente e uma representação verdadeira (We have so many other stories to tell with a different perspective and with a truthful representation)". Como achas que podemos educar as pessoas para mudar a narrativa (e não apenas a narrativa no ecrã)?

Gostaria de ver mais histórias sobre pessoas que normalmente não vemos, contadas de maneiras que normalmente não experimentamos. Mas, ao mesmo tempo, essas histórias e esses personagens não precisam de ser políticos ou "ensinar lições". Eu não fiz este filme com o objetivo de educar ninguém, apenas queria contar uma história honesta sobre uma rapariga e a sua família. Dito isso, se o filme puder ajudar algumas pessoas, fico feliz.

Podes contar-nos mais sobre o programa de mentoria para jovens transgénero que criaste (https://www.transfilmmentorship.com/)?

Sim, estou muito orgulhosa dessa iniciativa. Os produtores e eu iniciamos um programa de mentoria para pessoas transgénero, que acolheu cinco jovens trans para participarem na produção do filme. Eles foram inseridos em diferentes departamentos e trabalharam sob a liderança criativa de cada um destes departamentos. Os “mentees” foram membros essenciais da equipa, estiveram connosco desde a pré-produção até o final da produção, não se tratava apenas de um programa de observação; para o bem e para o mal, estavam nas trincheiras connosco. Desde então, já realizamos mais três edições do programa de mentoria, e hoje temos 19 ex-alunos, muitos dos quais estão ocupados, com vários trabalhos já alinhados, e a prosperar enquanto profissionais na indústria cinematográfica.

O que gostarias de transmitir a outras mulheres e artistas trans que desejem construir uma carreira dentro e fora da indústria cinematográfica?

Não será fácil. As desilusões serão constantes. Rodeia-te de pessoas que possuam a mesma tenacidade que tu. Trabalha com pessoas que sejam melhores do que tu naquilo que fazem, mas assegura-te que os teus valores estejam alinhados em primeiro lugar. E tem amigos que não sejam cineastas, que não tenham nada a ver com o cinema ou a indústria. A apatia deles em relação ao que acontece no mundo do cinema manter-te-á com os pés na terra e servirá como um lembrete constante de que se trata “apenas de um filme".

Que filmes te influenciaram mais como realizadora de cinema? Que artistas consideras como modelos a seguir?

Os filmes que me influenciaram enquanto realizadora foram aqueles que davam maior prioridade à sua construção visual e evocavam emoções por meio de narrativas subtis, com nuances. Realizadoras como Céline Sciamma, Andrea Arnold, Sofia Coppola e Naomi Kawase inspiraram-me com sua habilidade de criar filmes atmosféricos e emocionalmente marcantes que desafiam as convenções narrativas tradicionais. As suas abordagens únicas para o cinema e a sua capacidade para capturar a essência das experiências humanas são uma fonte de inspiração para mim e para o meu trabalho.




Esta entrevista foi traduzida do inglês.

A autora é nossa associada: Kathrin Frank

Revisão: Mariana Liz

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