Nome: Dörte Schneider Garcia

Idade: 49 anos

Profissão: Green Consultant (Film&TV)

As duas obras mais significativas da tua carreira profissional:

Como assistente de realização – “Alice” e “São Jorge”, ambas realizadas por Marco Martins.


Onde e em que função trabalhas? 

Sou freelancer em Portugal, onde mudei um pouco de rumo depois de ter trabalhado durante quase 20 anos como assistente de realização. Hoje em dia sou „Green Consultant certificada” para produções de imagens em movimento (na Alemanha, Film & TV” significa cinema e audiovisual). Havendo ainda pouco trabalho nesta área em Portugal, dedico-me muito à sensibilização sobre o tema e à educação para os assuntos que se prendem com a sustentabilidade (na sua plenitude), dando workshops tanto cá como internacionalmente, e no meu papel enquanto coordenadora do curso para green consultants da Universidade Lusófona. É a primeira vez que este curso é dado numa língua que não seja a alemã, e isso é de louvar!

És uma das primeiras pessoas em Portugal que se dedica totalmente à sustentabilidade na indústria cinematográfica. Explica-nos brevemente o papel dos Green Consultants e qual a sua importância.

Até há uns meses eu era mesmo a única pessoa a trabalhar nesta área em Portugal. Fico muito feliz que agora já sejamos mais, pois quem participou na primeira edição da formação na Lusófona entretanto também está a trabalhar para tornar as produções por cá mais  „verdes”. Na verdade, eu tenho pena que a função se chame assim, pois parece que limita a atenção ao campo ambiental, quando na verdade devemos olhar para os 3 pilares em conjunto, incluindo o social e o económico, que são igualmente importantes, e não se podem separar. Um(a) green consultant é alguém que, em conjunto com a (empresa) produtora, desenvolve um plano tanto para as produções como para os processos internos das empresas em si, a fim de encontrar soluções que deixem uma menor pegada no meio ambiente, e propondo alternativas viáveis do ponto de vista orçamental também. Isto é feito respeitando o bem-estar das pessoas envolvidas, da equipa e da comunidade. Para mim o chamado green shooting ou green producing são a única maneira que temos de produzir, respeitando o limite dos recursos disponíveis para nós enquanto espécie. Está tudo a mudar à nossa volta – com a crise climática chegam fenómenos meteorológicos extremos, incêndios, perda de biodiversidade etc. A nossa única hipótese é mudarmos também – e para melhor. Talvez um dia o green producing se tenha tornado tão normal que não precisemos mais dos green consultants.

Sentes-te reconhecida na função que desempenhas no teu campo profissional?                   

O que me ajudou muito em ser aceitada foi o facto das pessoas me conhecerem da minha  „vida anterior” como assistente de realização, e de saberem que era conhecedora do meio. Mas ainda há um caminho muito longo a percorrer. Circulam algumas ideias muito limitadas do que é ser uma produção green ou  „mais sustentável”. Existem preconceitos que gostaria de eliminar. O green washing é uma ameaça constante. Estamos neste momento em processo de criação de uma associação das e dos green consultants em Portugal, e espero que em conjunto possamos esclarecer as dúvidas existentes sobre a nossa função e utilidade. 

Muitas pessoas pensam que a sustentabilidade aumenta os custos de produção ou complica os processos. Pensando nas produções cinematográficas mais pequenas, que são a maioria em Portugal, que possibilidades têm de se transformar?

Esta é realmente uma das ideias feitas mais comuns, e que muito gostaria de ajudar a desfazer. Se o nosso foco for uma utilização mais consciente dos recursos, podemos até ajudar a economizar! Como disse antes, devemos olhar para a sustentabilidade na sua plenitude, considerando sempre os 3 pilares que referi. Sim, existem tecnologias que são, num primeiro momento, mais caras, mas que mais à frente podem criar poupanças significativas. Em Portugal, pelas verbas muito reduzidas disponíveis para produzir (isso seria outra longa conversa...), é costume poupar-se aqui e ali, o que nos torna mais sustentáveis à partida. A meu ver, qualquer produção pode tomar medidas que visem diminuir a sua pegada ecológica. Para tal é essencial que se conheçam os hot spots das produções, que costumam estar localizados na parte da utilização de combustíveis, ora para os geradores, ora para transportes de todo o tipo. O que ajuda a descobrir esses hot spots é o cálculo da pegada de CO2, que é uma das nossas tarefas também enquanto consultores.

Um filme de Hollywood gera em média 3.000 toneladas de emissões de CO2. Em Portugal, se não me engano, produzimos cerca de 7 toneladas de emissões por ano na indústria cinematográfica/audiovisual. Claramente isto é um impacto ambiental significativo. Podes dar-me alguns exemplos concretos para reduzir estas emissões? 

Atenção, essas 3.000 toneladas são uma média, e são filmes com orçamentos altíssimos, as chamadas produções tentpole. Nem todas as produções de Hollywood criam pegadas tão altas. Parece haver uma ligação entre o tamanho do orçamento e da pegada criada, no entanto.

Em Portugal ainda não há dados suficientes para apresentar médias, só agora estamos a começar a calcular as pegadas das produções onde trabalhamos.

Mas para dar uma ideia: uma publicidade que eu acompanhei em Portugal, e que foi produzida como um service, foi responsável pela emissão de cerca de 40 toneladas. 40 toneladas para um resultado final de 90 segundos no ecrã. É desproporcional. Uma pessoa a viver em Portugal é responsável pela emissão de cerca de 5,9 toneladas de gases com efeito de estufa por ano, segundo a Pordata. Esse valor diz respeito ao ano de 2019. Ora, nas produções temos de cortar a utilização de combustíveis fósseis para baixar a pegada. Isso quer dizer optimização dos transportes, planeamento. É preciso tempo para isso, não dá para fazer “em cima do joelho”. Quando falta tempo entramos em reaction mode. Uma maneira fácil de cortar emissões é também reduzir a quantidade de produtos de origem animal no catering, por exemplo.

Atualmente dás aulas na universidade em Lisboa e workshops em Portugal. Para além disso, como podemos informar-nos sobre conceitos de Green Shooting, Green produção e distribuição? Existe alguma plataforma, uma organização? 

Há uma plataforma extremamente útil que foi resultado de um projecto da Comissão Europeia, chama-se Green Toolkit Film & TV. Eles editaram um booklet, e no site têm uma base de dados que é constantemente actualizada. Existem blogues e sites dedicados ao assunto, e nas redes sociais também há presenças importantes. A nível internacional há mesmo muita coisa a acontecer. Em Portugal temos um  „Guia Green Shooting” que está disponível no site da PFC em português e inglês. A meu ver, o meio por cá deve preparar-se para o dia em que a atribuição de subsídios for condicionada, e o projecto que apresentar uma estratégia de sustentabilidade fique melhor posicionado – como já acontece na nossa vizinha Espanha, por exemplo, ou a nível de apoios da UE. Para ajudar com estas questões há agora green consultants disponíveis aqui, e queremos trabalhar e aplicar na prática o que aprendemos. 

O Green-Story-Telling normaliza certos comportamentos, é mais consciente e, de certa forma, também abre caminho para nos ligarmos à diversidade e à interseccionalidade. Em Portugal, o Green-Story-Telling ainda não é muito conhecido. Tens algum exemplo de um filme, que tenha uma green-story-telling, para percebermos um pouco melhor o conceito?

Na minha perspectiva, o green storytelling é quase tão importante como o green producing. Nós enquanto criadores de narrativas temos um poder muito grande para influenciar comportamentos e normalizar certas atitudes, ou até estigmatizar outras. O que é que retratamos como sendo „cool”? É andar de Porsche? Podemos criar o mundo em que gostaríamos viver e torná-lo atraente para quem vê os nossos filmes. Sem limitar a liberdade criativa! Não estou a falar em fazermos filmes de propaganda, ou documentários sobre temas ambientais. Mas na verdade nem é preciso ir até ao green storytelling... quantos filmes em Portugal é que passariam o famoso “Bechdel Test”?! A mim incomoda-me que possamos quase contar pelos dedos de uma mão os filmes em que vemos (pelo menos) duas mulheres como figuras principais de um filme, em que ambas as personagens tenham um nome (e não  „vizinha” ou  „amiga”), e que tenham diálogos que sejam sobre algo que não um homem. Respondendo à questão, um exemplo de um bom green storytelling para mim é a terceira temporada da série dinamarquesa “Borgen”, sendo que toda a série vale bem a pena ser vista. Há plataformas online exclusivamente dedicadas a fornecer ferramentas a quem escreve guiões, como por exemplo Good Energy Stories, Climate Spring, ou ainda Screens of Tomorrow. E sim, há uma espécie de  „Bechdel Test” para a sustentabilidade ambiental de um guião.

Numa entrevista, falaste da importância de regressar fisicamente à terra e de entrar em contacto com a natureza. Neste contexto, podemos também falar de ecofeminismo. Como é que o podemos integrar no ativismo feminista? De que forma é que o feminismo do futuro pode incluir melhor o ecológico?

Acho que a nossa sociedade apresenta uma série de desequilíbrios, que de certa maneira podem estar interligados. E cabe-nos a nós descobrir essas ligações, e estabelecer outras mais saudáveis. É curioso como as pessoas dedicadas à sustentabilidade muitas vezes são mulheres, ou se definem como tais. Terá a ver com uma sensibilidade diferente? Eu volto a frisar que na sustentabilidade devemos ter em conta os 3 pilares e trabalhar para que estejam equilibrados. Não nos adianta sermos  „ecologicamente correctos” quando não somos socialmente justos e inclusivos. Há que abraçar uma visão holística e tentar uma abordagem sistémica. É desse tipo de transformação que necessitamos. 

Pensando no futuro, o que gostarias de transmitir aos realizadores e produtores de cinema de hoje para que tornem a sustentabilidade mais consciente?

Há um slogan do grupo de trabalho Green Screen da Interreg Europe: No Planet, No Film. É tão simples quanto isto. Há que perder o medo de mudar e começar a fazer diferente. É só um passo de cada vez. Quando a pandemia nos obrigou a mudar a maneira de produzir também o soubemos fazer. Sim, é incómodo deixar para trás algo que fazemos assim há décadas. Mas só porque sempre o fizemos assim não quer dizer que seja a maneira certa. Fazer de maneira certa é ouvirmos a nossa consciência. É imaginar um diálogo que podemos vir a ter com alguém da geração que agora é nova.  „Na altura em que ainda havia escolhas, o que fizeste? Foste parte da transição ou ficaste de fora?” A resposta a esta pergunta é a nossa responsabilidade agora. 

E por fim: há alguma mulher que te inspira profissionalmente?

Muitas! Como disse, são maioritariamente mulheres que estão ligadas a este campo. Algumas que admiro são Mairi Claire Bowser, que na Escócia é responsável pela transformação do sector cinematográfico, Paloma Andrés Urrutia que em Espanha trabalha ligada tanto à formação, como à produção e escrita, Katja Schwarz, uma das pioneiras na Europa, green consultant e neste momento presidente da associação alemã do sector, Linnea Merzagora, que em Itália e a partir de lá trabalha na  „Green Film”, um sistema de certificação ambiental de filmes, Zena Harris e Clara George no Canadá que estão ( com muitas outras pessoas) a desenvolver um pacto mundial (apoiado pela ONU) para um meio cinematográfico mais sustentável em todos os sentidos, e Gabi Kay nos EUA que criou em conjunto com outras pessoas uma non profit para acelerar a transição no mundo da publicidade, para nomear apenas algumas.

A autora é nossa associada: Kathrin Frank

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